“Folhas de Outono” — O Melhor Filme do Ano Segundo a Time

Um olhar poético sobre amor e humanidade em meio ao capitalismo tardio
O filme finlandês Folhas de Outono, dirigido por Aki Kaurismäki, não é apenas uma comédia romântica clássica, mas também uma reflexão profunda sobre a condição humana em um mundo marcado pelo consumo desenfreado e pelo descarte. Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes e eleito o melhor filme do ano pela revista Time, o longa se destaca ao provocar o espectador a pensar sobre a moralidade do romance em tempos de guerra e desigualdade.

A cultura do descarte como pano de fundo
Vivemos em uma sociedade onde o valor de pessoas e objetos é medido por sua utilidade produtiva. Quando deixam de ser “úteis”, são simplesmente descartados. Essa lógica capitalista se manifesta de forma constante na narrativa de Folhas de Outono — desde os produtos vencidos que Ansa (Alma Pöysti) descarta no supermercado onde trabalha até os entulhos que Holappa (Jussi Vatanen) lida diariamente em seu emprego na construção civil.

O questionamento central que Kaurismäki coloca é se esse destino de obsolescência também se aplica às pessoas. Ansa e Holappa, trabalhadores invisíveis à margem da sociedade, seriam apenas engrenagens descartáveis ou também merecem amor, poesia e dignidade para além da sobrevivência?

Amor em tempos de capitalismo tardio
Mais do que indagar se existe amor em Helsinki, o filme pergunta se é possível amar em um mundo onde tudo é regido pela lógica do capital. A partir desse ponto, Folhas de Outono constrói uma narrativa que é tanto um romance delicado quanto um retrato social pungente.

Ansa, funcionária de supermercado, leva uma vida mecânica e solitária até ser demitida por levar um sanduíche vencido. Holappa, pedreiro e alcoólatra, usa o humor ácido como escudo contra a própria dor. Ambos vivem imersos em uma melancolia resignada até que um encontro casual desperta o desejo de algo maior do que apenas pagar contas.

Homenagem ao cinema clássico
A estrutura narrativa segue o formato tradicional das comédias românticas, com separações e reencontros, e até um momento clássico em que Holappa perde o número de telefone de Ansa anotado em um pedaço de papel. Kaurismäki homenageia mestres como Charles Chaplin, com referências diretas a obras como Luzes da Cidade e Luzes da Ribalta, especialmente na cena final.

Reflexão ética e política
O que diferencia Folhas de Outono é a inquietação ética que atravessa sua trama. Em um mundo onde hospitais são bombardeados e crianças morrem em conflitos, qual é a moralidade de contar uma história de amor entre dois personagens brancos em uma cidade tranquila? A resposta que o filme oferece é simples, porém poderosa: a arte e a beleza são essenciais, sobretudo quando tudo ao redor insiste na feiura e na barbárie.

Encontrando poesia no cotidiano
Os cenários centrais — um supermercado e um canteiro de obras — representam pilares do capitalismo e, à primeira vista, parecem desprovidos de poesia. Kaurismäki, porém, encontra lirismo nesses espaços, revelando a humanidade de quem vive e trabalha ali. Isso é reforçado pelas interpretações sutis de Pöysti e Vatanen, pelo roteiro de diálogos cortantes e por uma trilha sonora marcante que acompanha toda a narrativa.

A força da música
As canções desempenham papel tão importante que o longa se aproxima de um musical nórdico. A trilha inclui desde baladas pop finlandesas que remetem a um “Roberto Carlos de Helsinki” até a performance da banda feminina Maustetytöt, cuja música Syntynyt suruun ja puettu pettymyksin (“Nascida na tristeza e vestida de decepção”) sintetiza, de forma melancólica, o espírito proletário sob o capitalismo tardio.

Folhas de Outono é, portanto, mais do que uma história de amor. É uma declaração sobre a necessidade de preservar a beleza e a arte como resistência, mesmo quando o mundo parece se encaminhar para o caos.