Em janeiro deste ano, os críticos de cinema Manuela Lazic e Adam Nayman embarcaram em uma ambiciosa jornada: revisar os filmes mais significativos dos últimos 25 anos. A lista inicial ultrapassava os 100 títulos e, ao longo de 2025, eles pretendem analisar um longa por mês. O objetivo não é travar uma batalha de opiniões, mas sim unir forças para explorar obras cinematográficas que ainda ressoam fortemente no imaginário coletivo. Entre essas, está O Segredo de Brokeback Mountain, dirigido por Ang Lee.
Lançado em 2005, o filme rapidamente se tornou um fenômeno cultural, despertando debates que extrapolaram o universo do cinema. Um dos momentos mais marcantes foi quando, em janeiro de 2006, o então presidente George W. Bush foi questionado por um estudante da Universidade Estadual do Kansas sobre se já havia assistido ao longa. Conhecido por seu gosto por comédias como Entrando Numa Fria, que recomendou ao então primeiro-ministro britânico Tony Blair, Bush respondeu com sarcasmo. Sua recusa em comentar o filme foi interpretada como um distanciamento proposital em relação a uma obra que simbolizava um avanço na representação LGBTQIA+ no cinema comercial americano.
Apesar da resistência em certos setores conservadores — incluindo provocações como a do radialista Rush Limbaugh, que chamou o filme de “Humpback Mountain” — o impacto de O Segredo de Brokeback Mountain foi inegável. As críticas vinham também de outros lados: alguns questionaram o fato de uma narrativa sobre a vivência queer ter sido conduzida por um diretor heterossexual e protagonizada por atores heterossexuais de alto escalão. Ainda assim, a obra foi tão bem recebida artisticamente que conseguiu evitar a histeria que muitas vezes acompanha filmes com temáticas LGBTQIA+.
Como escreveu Frank Rich no The New York Times, em dezembro de 2005, o longa não provocou uma revolução cultural, mas consolidou uma mudança que já estava em curso: “E se houvesse uma guerra cultural e ninguém atirasse? O Segredo de Brokeback Mountain, afinal, é um produto de Hollywood, não está liderando uma revolução, mas ratificando uma, dando forma — de maneira bastante literal — ao que a maioria dos americanos já acredita”.
Ao revisitar o filme hoje, é notável como ele vai além de sua simbologia social. Quando assistido no Festival de Cinema de Toronto em 2005, o público aplaudiu a coragem artística da produção. Mas, numa nova análise, fica claro que o filme é também uma ode ao ambiente rural e à vida no campo. Ao contrário do que sugeriu Bush, a obra é genuinamente sobre pecuária, terra e pertencimento.
Ang Lee, conhecido por transitar entre diferentes estilos e contextos históricos, tanto reais quanto cinematográficos, reconstrói os arquétipos do faroeste com sensibilidade. Desde o primeiro encontro entre Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal), em 1963, na pequena Cowley, o longa revela personagens em fuga — não apenas da vida urbana, mas de realidades emocionais opressoras. Jack tenta escapar da sombra do pai autoritário, enquanto Ennis busca algo que ele mesmo não consegue nomear. O que encontram nas montanhas de Brokeback não é apenas um rebanho de ovelhas, mas um espaço de reconexão com a terra e com o próprio eu — quase como uma redenção espiritual, dentro de uma narrativa permeada por temas religiosos e culturais profundamente americanos.
A fotografia de Rodrigo Prieto contribui para essa sensação de vastidão e isolamento, transformando a paisagem em um verdadeiro quadro em branco onde os protagonistas podem, por fim, se expressar sem medo. Ao tratar com profundidade a crise da masculinidade e as barreiras impostas pela sociedade, O Segredo de Brokeback Mountain permanece um retrato comovente e necessário — uma obra que, vinte anos depois, ainda emociona, provoca e convida à reflexão.