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Crítica de ‘Until Dawn’: terror sem consequências em adaptação de game interativo

Na era em que franquias cinematográficas desafiam até a morte, como demonstra o retorno anunciado de “John Wick 5”, o conceito de fim definitivo parece cada vez mais irrelevante. Mesmo após a suposta morte do personagem em “John Wick 4”, era previsível que nada ali fosse realmente permanente — afinal, onde há uma franquia lucrativa, sempre há espaço para mais um capítulo.

Essa mesma lógica permeia “Until Dawn”, adaptação do popular jogo de terror interativo lançado originalmente para PlayStation 4 em 2015. O filme adota uma abordagem semelhante à da franquia “John Wick”, tratando a morte não como um ponto final, mas como um mero reinício. A diferença é que, ao contrário dos filmes de ação, aqui a morte acontece constantemente — e sem qualquer impacto emocional ou narrativo.

A trama gira em torno de cinco universitários presos em uma cabana misteriosa no meio de uma floresta, que parece uma mistura de pousada rústica com cenário mal-assombrado. A cada 20 minutos — marcados pela areia de uma ampulheta — uma nova “noite” começa, e todos os personagens morrem das formas mais grotescas possíveis: esfaqueamentos, mutilações, explosões de corpos. Quando a ampulheta vira, eles simplesmente despertam novamente, como se nada tivesse acontecido. E assim o ciclo se repete, noite após noite, sem qualquer variação significativa ou construção dramática real.

A estrutura lembra produções como “Palm Springs” ou “Feitiço do Tempo”, nas quais o protagonista revivia o mesmo dia com pequenas mudanças até encontrar um caminho diferente. No entanto, “Until Dawn” não tem essa sofisticação. Em vez disso, apresenta um desfile de matadores e entidades sobrenaturais — palhaços com máscaras quebradas, bruxas, fantasmas flutuantes, zumbis canibais que fazem referência direta ao filme “Wendigo” de Larry Fessenden, um dos criadores do game original.

A conexão com o jogo, aliás, parece ser o maior problema da adaptação. O game, já inspirado por filmes como “Evil Dead II” e “Poltergeist”, agora retorna ao cinema como uma obra derivada de si mesma — uma metalinguagem esvaziada de propósito. Filmes baseados em jogos muitas vezes pecam ao tentar transpor mecânicas interativas para a narrativa linear do cinema, e “Until Dawn” é um exemplo claro de como isso pode dar errado.

A motivação dos personagens gira em torno do desaparecimento de Melanie (Maia Mitchell), irmã da determinada Clover (Ella Rubin), que poderia ser a “final girl” da história, caso essa convenção fosse levada a sério. Logo no início, o grupo encontra pôsteres de jovens desaparecidos, inclusive de Melanie, mas essa linha narrativa também acaba sem consequências.

Apesar das tentativas de humor entre os personagens e dos diálogos carregados de palavrões e frases clichês como “Estamos lidando com umas paradas muito bizarras!”, o roteiro nunca consegue estabelecer tensão real. O espectador sabe que ninguém ali está realmente em perigo, e o impacto dos assassinatos se perde rapidamente.

“Until Dawn” provavelmente terá um desempenho comercial razoável no fim de semana de estreia, especialmente entre os fãs do jogo. No entanto, como filme de terror, ele falha em quase todos os aspectos. É repetitivo, previsível e excessivamente dependente de fórmulas batidas. O problema não é que ele pareça um videogame — é que parece um videogame sem desafio, sem progresso, sem propósito.

Em resumo, “Until Dawn” oferece mais do mesmo em um pacote visualmente familiar, mas vazio de emoção. Uma experiência que não assusta, não surpreende e, o pior, não engaja.